terça-feira, 20 de maio de 2014

Vaidades que a terra...

... um dia há de comer. 


você sente demais - foi o que disseram a ela insistentemente naquelas tardes quentes do típico outono tropical. - você deveria sentir menos.
nas cem primeiras vezes ela riu debochada, com ar de quem não deu ouvidos a uma tolice tão grande; na centésima primeira alguma coisa dentro dela se rompeu. ninguém soube exatamente explicar o que mudou, mas qualquer um conseguia notar. 
a sensibilidade dos olhos foram diminuindo, a luz não iluminava as antigas pupilas reduzidas pela expectativa, amores exagerados e dores dilacerantes encontravam-se paradas, estáticas, estáveis. 
com o tempo ela sentia de menos. menos alegrias, menos saudade, quase nada de amor. sem sentimentos, ela sentia que não sabia mais quem era. sem dores, sem temores. 
de fato, ela parou de sentir demais. o hábito da anestesia virou um vício nocivo.
sua rotina sem grandes fluxos e alterações, tornou-se banal e ilógica. a falta de empatia tornou-a solitária e desnecessária, descartável quanto uma garrafa de cerveja já pelo final, com aquele resto seco e quente em cima da mesa de um bar: - garçom, leva essa embora e traz uma nova, gelada, pra afogar as mágoas e esquecer da vida.
já era outono de novo quando ela ouviu - você sente de menos - olhou pela janela e o frio já chegava, o inverno seco e ingrato do clima tropical vinha castigar. - você deveria tentar sentir mais as coisas.
não foi preciso mais que uma vez para que a frase ecoasse em sua cabeça e, então, o tsunami de sentimentos guardados invadiram seu ser e a transbordaram. esvaziaram.
nos dias seguintes ela não foi trabalhar, não atendeu ligações da família e não respondeu as do namorado sms dizendo para que ela deixasse de ser tão dramática. 
foi sua vizinha que notou que a luz não se apagava, a janela não se fechava e não havia sequer o som de um suspiro vindo do apartamento ao lado. quando o porteiro entrou os lábios já estavam roxos, os olhos estáticos novamente, o peito estático e ao lado da cama, um simples bilhete que dizia em uma letra torta, com borrões secos de lágrimas molhadas "eu não quero sentir nada".

Um comentário :

  1. Sinta então este segredo que, não fosse a internet, ficaria perdido em algum ponto da amálgama que é o tempo-espaço: eu me comprazia sempre que a oportunidade de olhar suas panturrilhas sem ser notado me era dada. Eram as panturrilhas mais sensuais de todo colégio. Talvez fosse aquele all-star de cano alto o que realçava. No mais, encare esta confissão friamente, talvez com algum humor; nada pessoal. Adeus.

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